Oi, Linda

Oi, Linda - dia dos namoradosAmanhã é o dia do amor. De celebrarmos isto que nos liga. Ardente por vezes, muito monótono noutras ocasiões. Sempre ansioso.

Queremos mais, não é?

Não há mal nenhum nisso. Desde que não nos separe, como é lógico. Queremos mais, fazemos para que seja mais. Damos a mão e discutimos. Atiramo-nos ao abismo do desconhecido juntos. Sempre juntos. Porque, desde que te conheci, nunca mais te larguei da mão. Ao início, não sabia bem quem eras, portanto sorria de tudo. Tudo era perfeito e uma aprendizagem. Que bom!

Com os anos, claro, começam a vir alguns entraves. Deixamos estas pegadas no caminho que nos influenciam. Queremos agradar a sociedade, criamos crenças que nos limitam mais do que potenciam, mas continuamos juntos. Eu e tu. E isso é que importa, não é?

Sua linda, vida.

A carta em silêncio

A carta em silêncio

Não é no vagar que gasto nas palavras que demonstro o amor, é na resiliência dos silêncios. Shiu. As árvores a rangerem, o vento a soprar como uma respiração incontida de uma noite de inverno.

O teu corpo pousado no meu. Lado a lado, com a cabeça junto do meu batimento. Sinto-te as palavras como silêncios e os cabelos como condóis que me movem os poros da pele. Estremeço, sempre que as palavras não foram ditas. Trepo vida ao compasso dos silêncios que vou guardando e partilhando. Partilhar contigo um silêncio é fazer crescer em nós o amor. As palavras que não se dizem, os silêncios que se oferecem. Shiu. Deixa-te estar no encosto do meu peito e ouve as minhas palavras, ritmadas pelo meu batimento. Pum, pum. São sinceras, apenas desditas pelo tempo que galopeia pelas encostas da vida, como um cavalo solto.

Ouço Eugénio de Andrade nos meus pensamentos. Queria tratar-te como ele trata as palavras: sem temor e com carícia. Tanta ternura. É bonito ver como as palavras dele deslizam, na folha, como uma aragem que estremece as plantas. É uma natureza que nasce na ponta dos dedos de uma pessoa que não nasceu para morrer. Como ele escrevia, não nasceu para morrer. Talvez os amores também assim o sejam: nascidos para nunca morrer.

Há amores e amores, pessoas e pessoas, mas o que mais vingam são os que respeitam o silêncio. O silêncio dito e o silêncio não dito. Agora, dorme. Descansa no meu peito. Shiu.

Novos projectos

Novos projectos

Começar a semana com um novo projecto em carteira, por pequeno que seja, é uma alegria que não é fácil descrever.

Não sou um exemplo em todos os sentidos da minha vida, cometo os erros comuns, deixo-me levar pelos momentos que não definem quem sou, mas também tenho coisas minhas, mesmo que não sejam traços exclusivos, que me fazem sentir bem de alguns rumos que vou tomando.

Os pequenos projectos em que me vou envolvendo, por simpáticos convites ou por pequenas loucuras, vão-me fazendo sentir bem. Há dois predicados que considero fundamentais para me entusiasmar: amor e adrenalina.

O amor é fundamental em tudo na vida. Só fazendo as coisas com sentimento podemos fazê-las de forma diferente. Gosto de acreditar que ao levar uma carta ao correio estou a realizar uma possibilidade de comunicação; gosto de acreditar que ao fazer um orçamento estou a criar uma possibilidade de negócio; gosto de acreditar que ao redigir um texto estou a criar a possibilidade de outros se lerem nas minhas palavras. É isto que eu considero o amor. Desmontar as tarefas, torna-las ínfimas ao ponto de as poder incluir em algo maior. Isto não é amar o que fazemos, isto é amar a vida. E eu gosto de amar a vida.

O outro predicado é a adrenalina. A adrenalina é a consequência do amor. Se tudo for relevante, até o mais pequeno detalhe, fará com que cada pedaço de trabalho tenha uma importância sobrenatural, o que trará a adrenalina. A maravilha da barriga crepitar, a angústia de não saber se as pessoas vão gostar e a certeza que precisamos melhorar a cada vez que levamos a cabo um determinado acto. Eu gosto de viver assim.

Quando temos pessoas de quem gostamos muito, daquelas que nos fazem explodir o coração a cada cinco minutos, temos dificuldade de gerir a pessoa que somos. Não conseguimos achar que mostrar tudo o que somos é suficiente, tendemos a exagerar, a mostrar-nos especiais a cada passo que damos, para que não restem dúvidas que somos especiais, os tais. Eu sou um bocado assim, comigo e com quem amo. Mas não posso cair no erro crasso de, a cada vez que faço algo menos bem, querer mudar tudo.

Há coisas que fazemos bem, em alturas que só andamos a fazer o mal. E eu aprendi isso com os projectos. Já estive maniento e a querer ser especial em todos os instantes. Mas, depois, percebi que a minha maior realização não estava no que as pessoas pensavam do que eu fazia, estava na sensação de que fiz e dei o melhor de mim. As opiniões são fundamentais, não vivemos ermos neste mundo, mas não são o que nos define. O que nos define é a entrega que temos pelas coisas.

Para esta semana, tenho dois projectos, além do meu emprego, do meu blogue, das minhas habituais crónicas e do livro que anda em carteira, a ser escrito devagarinho e a espaços. Um é pequenino, resolve-se numa mesa de café ou na secretária de casa, com um café e uns momentos de ponderação; o outro vem sendo trabalhado. Em nenhum deles há dimensão, apenas amor. Quero brilhar, ser reconhecido, ganhar dinheiro pelo meu trabalho, mas, acima de tudo, ser apaixonado pelo que faço. Seja uma carta que escrevo para o correio da empresa, seja um texto sobre mim para centenas de pessoas, quero fazê-lo bem. É isso que me move.

Parabéns, Mãe!

parabéns, mae

 

Hoje é o teu dia, a data em que o registo marca o teu nascimento. Não és de ligar a essas coisas, mas sempre ligando. Até nisso somos iguais, falsos fortes, desleixados inveterados, mas sempre com o coração a palpitar por reconhecimentos, por abraços que mais não reflectem que o amor. Somos românticos. Os três. Tu, o pai e eu.

Falhamos nas datas por natureza, como uma epidemia que nos alcançou a família e nos desmemoriou de tudo. Temos cábulas no frigorífico, deixamos recados na mesa, telefonamos vezes e vezes ao dia, mas nunca nos esquecemos do mais importante. O amor. O que nos une, o que deveria inundar o mundo como se fossemos as margens de um rio sereno que nos banha o olhar com a sua água cristalina e nos adormece os ouvidos com o seu zumbido de corrente. Aprendi tudo isto contigo. Não as palavras, que essas trouxeste-as da Venezuela, num espanhol que nunca dominei. Refiro-me à capacidade de observar a beleza escondida na banalidade, de atentar nos pequenos sopros que nos enchem a alma e o coração. Nunca esquecerei as férias que fazíamos ao sul, na praia, mas também os passeios de fim-de-semana, abundados pela natureza, por Espanha ou pelo Norte do nosso país, com o rádio sempre a tocar, tu a trauteares as músicas que não sabias as letras mas em que gostavas da batida, com o pai a dizer que as estradas andavam todas a ser mudadas. Naqueles instantes ainda não percebia bem a vida, como não a percebo agora e, possivelmente, nunca perceberei, mas a compreender que a existência terá sempre outro sabor quando é levada com um sorriso na cara. Tenho essas imagens da meninice: as piadas do pai; os teus sorrisos audíveis como o rio a chocar na maré que o leva; e eu feliz.

Os anos foram passando, tu sempre a fazer sacrifícios, como quando me levavas para o trabalho e a seguir, comigo ao colo, em passo acelerado, ainda ias tirar a carta. O pai a trabalhar fora, tu a derreteres lágrimas de saudade nos telefonemas de fim de dia, a explicar-me que a tristeza também pode ser alegria, que as saudades magoam mas fazem-nos crescer, fortalecer os laços que nasceram para serem infinitos. Os anos a passarem, alguns desgostos e perdas, roubaram-te parte da energia que me contagiava, mas, mesmo assim, a tua tarefa maior, a que mais desejavas, estava conseguida. Já havias transportado para mim tanta dessa nervura que faz sofrer, mas também conquista o mundo.

Ainda vais sofrer muito com esse teu modo de ser, Ricardo, eu sei porque fui igual. E nesse aviso eu compreendia a preocupação de mãe, contudo também reluzindo o orgulho de te veres perpetuada em parte de mim. Não querias que eu fosse perfeito, nunca quiseste, sempre pensaste que o melhor para mim era divertir-me. Dizias-te a ti que estavas mais velha, sem a paciência e energia de outros tempos, sempre comigo a perceber a inverdade das tuas palavras em relação à tua cabeça. Nunca me apresentaste decisões como certas, sempre me mostraste caminhos, os que conhecias, para dizer que uns eram melhores que outros, que eu já te havia magoado, a ti e ao pai, em algumas coisas, mas que não desistiam de mim, que sabiam que eu sou um mimado, que serei sempre, não perdendo algum do valor que vocês me deram. E eu, hoje, alguns anos volvidos, posso dizer-te que encontrei no pai a vontade e capacidade de me relacionar com todos, não deixando de lado a tua vontade de confrontar o mundo com o que são as nossas certezas. No vosso conjunto, compreendi que a personalidade forte pode não abraçar a arrogância e que a simpatia pode não ser amada da apatia. Como vocês aprendi a sentir-me grande, com a noção que quanto mais cresço mais longe fico dos objectivos seguintes.

Por isso, mãe, escolhi estas fotos. Numa o retrato do vosso amor, juntos, na outra nós os três, comigo a reflectir bem no rosto como me oferecem uma vida farta, e na maior, na colorida, a tua alegria de viver, o teu sorriso que me cativa como se eu tivesse para sempre aqueles três e quatro anos, em que te acompanhava no emprego e percebia os sacrifícios que fazias, sem saber que o eram sacrifícios.

Por tudo isto, mãe, quero desejar-te os parabéns, mas relembrando-te o que te disse no final dos versos: estás de parabéns, mãe, mas não é pela data, é pelo tanto que tens de incrível de ontem, de hoje e de amanhã.
Não somos perfeitos, jamais seremos, mas amo-vos com um amor que me acompanha do acordar ao deitar. Sou um filho feliz. E isso é a maior realização de uma mãe e de um pai, não é? Fizeram um bom trabalho, vocês.

Parabéns, Mãe. Nós sabemos o quanto vales!

Vou ou fico?

AVIAO-TAP

O vento sopra, as asas de metal

Abrem-se como linces do ar,

O avião parte, dissipa-se,

E eles ainda se vão a recordar.

 

São dias rápidos, fugidios

Como uma corrente húmida,

Em que se vão as histórias

E  fica a dúvida.

 

Estarei eu bem aqui?

Não deveria eu pegar naquele avião

E ir para França ou, sei lá,

Qualquer outra nação?

 

São anos de luta, com mesas cheias

Que agora vejo vazias,

Sem amigos tantos, conhecidos,

Que foram sem heresias.

 

Não lhes olho a desgraça,

Por muito que lhes conheça a dor.

Não quero esse apogeu de coitadinho,

Quando por eles tenho é respeito e amor.

 

Estão fora, longe, em vidas diferentes,

Mas a ganhar o que aqui não encontro

Em horas e horas de expedientes,

Com miséria, sem confronto.

 

Não resvalo nas lamentações da partida,

Para gáudio dos maldizentes,

Que não lhes vêem dor, esquecendo

Que cá há família e outras gentes.

 

Pergunto-me. Estarei certo?

Valerá este luta num país sem chama,

Que se tombou na crise,

Ainda que com tanta gente que o ama?

 

Não sei as respostas e disponho-me ao trabalho,

Laboro com o afinco de quem crê

Que a dedicação há-de ser sempre recompensada,

Dê para onde dê.

 

A vocês, que foram,

Digo que aqui há um amigo,

Sem plural, só com um:

estou sempre contigo.

 

Ral

Amor de pedra

É só uma rocha,
Mas é tanto mais o que me move,
É uma companhia, alguém
Que sem vida me comove.

Não desisto de tudo por ser pedra,
Por não pensar e não se ajeitar,
Guardo-a no bolso à espera
Que um dia tudo isso possa mudar.

A amizade é assim,
Não importa se é pedra ou flor,
Acreditamos sempre, com esforço,
Que tudo vai mudar para melhor.

Não é porque erra que a pedra se desfaz.
Não acerta a árvore, mas voa até
Aos arbustos, e eu, como amigo,
Vou trazê-la de volta, aqui para ao pé.

Ser amigo é isto,
Levar a pedra no bolso, guardada,
Cientes dos lanhos e dos alvos falhados,
Mas sempre amada.

O erro não é exclusivo da pedra que falha,
A que a atira ou ampara,
Também não está livre,
Mesmo que seja coisa mais rara.

Ela é uma pedra,
Mas eu sou um ser-humano,
Pensante e inquisidor,
Mas sem vontade de ser tirano.

O mal deste mundo é que se fazem
Dos donos das pedras
Amigos de verdade
Que só nos levam a perdas.

Ser amigo é estimar uma pedra
Que hoje é de cimento,
Mas amanhã será de carne
E não pode cair em esquecimento.

É amor…

amor_pequeno

Arde, sente-se a passar com ternura. É um apego grande, que se percebe nas coisas pequenas, miúdas, corriqueiras. Aperta, faz ferida de tanto que alegra. Sente-se na pele como um corte de folha de impressora, atravessa o corpo como um carro de corrida. Treme na perna, alça no peito e rebenta no sorriso. É grande, imenso, incomensurável, mas incrivelmente pequeno, insignificante. É um beijo antes de adormecer, um rosto pousado no peito, um braço que acolhe e aconchega, um aperto de mão que vale um dia. Um passeio abraçado, encostado como uma placa tectónica que nunca será feita de duas. É grande e pequeno. É pequeno o suficiente para não ser digno de um livro, mas grande o imenso para ser digno de metáforas que elevam o céu e apoderam o fogo. É o amor simples, de um casal simples, que só ambiciona a simplicidade de ser. E ser é o melhor da vida.

Qué do Valentim?

Não se faça a sentença do crime errado.

Qué do Valentim, António? Está contigo. Não, não está. Ai isso é que está, que ele estava do teu lado. Pusemo-nos aqui a ver a banda a tocar o clarinete e ele foi para o teu lado, mulher. Foi é o raio que te parta, António, que estás sempre a dormir. Onde é que ele está, Amélia? Sei lá eu bem, caralho. Oh foda-se para a mulher.

As pessoas aglomeravam-se na fila, com o palco ali mesmo ao pé, onde tocava a banda das fanfarras da romaria. Muitos casacos iguais, muitas pessoas alvoraçadas, arrelampadas pelo bonito concerto que a banda, vestida a preceito, em fatos iguais para homens e mulheres, dava.
Olhe, faz favor, não viu aqui um catraio de casaco vermelho? Ouça, ele estava com um algodão doce na mão, não há-de ser difícil recordar-se.

Tem a certeza? Veja lá se viu e não se lembra. Está a falar a sério? O casaco era vermelho, não há-de haver muitos. Veja-me lá com atenção.
Nada. Nenhures. Parte alguma. A Amélia, desaforida, encrespada, gritava que o António era mau pai, mau marido, mau diabo. Que não atentava em nada, que andava na vida a ver os outros andar. O António, entre a confusão de gentes dos carrosséis, todas cheias de vida para vida nenhuma, sublevava que a Amélia era uma caralha, que não havia paciência que a aturasse, mais os maus modos dela. Perguntava, questionava, interrogava, mas ninguém vira o miúdo de casaco vermelho, a comer o algodão doce.

Estavam ambos parados no meio da rua, com a romaria a passar-lhes ao redor, em forma de ruídos dos carrosséis e vendedores ambulantes, das pessoas agitadas pela festa que só se dá uma vez ao ano, e as lágrimas principiavam a escorrer-lhes pelo rosto sem estribeiras, como uma portada de barragem aberta. Onde pára o nosso Valentim, António? Eu não vivo sem ele. Tem calma, Amélia, chega-te cá, abraça-te a mim, que vamos já encontrá-lo. Eu não saio daqui sem o nosso menino, disse o António, emocionado, caído.

E do fundo, de trás das luzes das chávenas que chocam entre si numa corrida a dois euros, apareceu o Valentim. A sorrir, enternecido pelo jogo dos barulhos com os movimentos dos carrinhos de choque. Pai, mãe, vejam este carrossel! E os dois olharam, por entre a fila de pessoas, como se de lá viesse uma aparição que pudesse ser o quatro segredo da antologia religiosa portuguesa.

A Amélia aprontou-se, aliviada mas mais arreliada. Tu nunca mais nos faças isto, Valentim, estás a ouvir? Não podes sair assim, assustar os teus pais. A tua mãe tem razão, Valentim, tem muita razão!, disse o António, cheio de vigor fingido. Eu não vos assustei, vocês é que estavam a gritar e eu queria brincar, na festa.

Os dois, o António e a Amélia, olharam-se e pegaram o Valentim pela mão. O catraio, no meio, continuava absorvido pela convergência de luzes e sons, pela necessidade de se divertir. Os pais, agrilhoados, focavam os olhos um no outro como se não houvesse mais festa à volta. Beijaram-se, por cima do pequeno Valentim.

As dores do amor.

Nada importa mais que a saudade. Estirpe do bater do nosso coração, refulgente como um bico de fogão, calcorreia-nos como se tudo o restante fosse saibre, caminho a ser pisado.

É angustiante e comprovadora, é posse do melhor e do pior. Lágrimas são apelido do meio, ao meio, aperto. O sol nunca deixa de brilhar, reveste-se é da cor do nosso coração, ora mais laranja ora mais cinza. Sô doutor, dói-me tudo, é as costas, as pernas, não posso dos dorsos, até se me treme as mãos. Dói-lhe é o coração, homem, as saudades!

E as saudades são a dor do amor. E o amor sem dor é como o carro sem o motor. Não anda.