Os regressos a dentro de nós

Regressos a dentro de nós

Andamos, quase sempre, muito ocupados na nossa vida para olhar para dentro de nós. Fazemos exercícios de autoanálise com a miudeza de uma criança a completar espaços num caderno de colorir.

Gostamos de avaliar tudo ao nosso redor, as pessoas que compõe a nossa vida e, sobremaneira, a nossa existência. Gastamos, portanto, pouco tempo a compreender o que as leva a ser assim, se o trato for connosco.

Há coisas que falham ao nosso redor, sempre haverão, mas muitas vezes não compreendemos a mão que temos nelas. Um sim, para alguns é uma alegria e para outros é uma tristeza. Acontece sempre assim, porque a leitura e a sensação é sempre feita pelo que nos corrói por dentro. Se for bom, bom será; se for mau, mau será.

Nós somos o resultado daquilo que somos, por mais redundante que isso seja. Não queremos cometer erros, mas deixamos que os erros cometidos se acomodem em nós, sem procurar formas de os corrigir. Quando percebemos que eles já ganharam espaço e aumentaram, ficamos amarrados a isso, com uma penitência que não compreendemos como lidar. Culpamo-nos e não reagimos. Queremos reagir, mas não reagimos.

Nós somos o centro de tudo e isso não é egocentrismo. Egocentrismo é outra coisa, mais penalizante e, sem exagerar, triste. Colocarmo-nos no centro de tudo é encontrarmos a nossa paz e convicção para com ela lutar, pelo bem e pelo mal. Somos base, porque somos nós que fazemos a leitura e damos o passo. O primeiro passo da nossa vida, seja para ajudar os outros ou a nós, é sempre nosso. Por isso é que eu digo que não é egocentrismo. Podemos colocar-nos no meio de tudo, para ajudarmos, apoiarmos e amarmos os outros. Isso é ser o centro. Sermos nós e sermos felizes connosco. Mas crescendo, sempre crescendo.

Nem só de palavras vive o amor…

 Nem só de palavras vive o amor, nem só de actos vive a paixão, nem só de ideias vive a escrita. Hoje começo a escrever para vocês, somente para vocês, sem saber sobre o que escrevo.

Podem acusar-me de fazer da escrita uma obrigação, de isso realçar em mim um pretensiosismo típico de quem se quer impor, aparecer. Feliz ou infelizmente terei que vos dar alguma razão. Sinto necessidade de aparecer, sinto necessidade de ser acarinhado, sinto necessidade de ser mimado. Poderia esconder-me atrás de uma capa de heróicas forças, de personalidade assertiva, dura, mas não consigo. Sou tão frágil quanto as pequenas folhas de papel em que tomo notas para diariamente vos escrever.

Não sei se tudo isto faz de mim pequenino, coitadinho, ou simplesmente humano. Tenho vivido fases diferentes da minha vida: já fui uma criança inocente; já fui um adolescente rebelde; já fui um pré-adulto egoísta, egocêntrico; já fui o que sou hoje; em todas elas precisei, mais ou menos, de palavras reconfortantes, de gestos ternurentos, de ombros amigos, de beijos apaixonados e/ou sedutores.

Por vezes questiono-me que tipo de pessoa serei eu ao certo: serei eu independente? Serei eu carente? Sinceramente, não sei o que fui, não sei o que sou e tenho dificuldade de imaginar o que serei. Mas porque raio deveria eu definir-me? Em que ponto isso me deixaria?

Acrescentaria:

Nem só de palavras vive o amor, nem só de actos vive a paixão, nem só de ideias vive a escrita, nem só de rótulos vivem as pessoas.

Existe uma forte necessidade de nos definirmos, de podermos dizer aos outros quem somos, qual o nosso padrão de comportamento, o nosso guião de acção, mas raras vezes acertamos. Quando nos definimos a alguém, quando dizemos que em X fazemos Y, parece que um condão faz aparecer, horas depois, aquele e X e nós iremos fazer o Z. «Porra, nunca foi assim que eu reagi a isto!». E não, não mesmo, mas nós vivemos em constante mutação. Metamorfose, essa sim, pode ser uma palavra que nos descreve.

Rebuscando nas minhas teorias mais recônditas, poderia dizer que quanto mais nos apercebemos dos nossos padrões de comportamento mais tendência natural temos para os alterar. Talvez não seja uma teoria que possa apresentar ao mundo, mas certamente é uma teoria que se aplica a mim.

Pude dar-me ao luxo de fazer uma dissertação sobre quem sou, sobre o que penso, porque sei que quando o lerem não será mais que uma história ficcionada. Já eu serei outra pessoa, já serão outras coisas a circundar o meu pensamento, já tudo o vento terá levado.