Presente Carnavalesco (Ep5 – FINAL)

Não pôde combater o cansaço, que lhe embatia por dentro, e entregou-se ao sofá, novamente. Ligou a televisão e deixou as notícias fluírem pela caixinha mágica, perpetuando um som hipnotizador no ar, inebriando-lhe os sentidos e fazendo-o chorar. Estava agora virado para o televisor, sem ouvir nada, e a chorar arrebatadamente – lágrimas de dor, flechas ardentes e resvaladias. Passava-lhe pela cabeça a reminiscência das viagens com a Marta, as férias que fizeram juntos, os simples passeios no Furadouro de mão dada, os abraços com o barulho do mar a bater nas rochas, no Inverno. Era sôfrego o seu choro, sentia tantas saudades. As gotas escorriam em prantos, como uma cavalidade do seu amor ainda existente, ainda forte. Perguntava-se como em dois meses ela o podia ter esquecido tão rápido, se ele ainda pensava nela a cada instante do dia. Uma folha mal arrumada chegava, recordava-se logo como ela o tinha feito mais organizado. Sorria, com o rosto encharcado, a pensar nas vezes que ela dizia que ele ainda seria dono do gabinete de contabilidade. O corpo começou a pesar cada vez mais, já eram muitas horas sem descanso, já eram pensamentos muito pesados. Adormeceu, como um anjo.

Priiimm – Priimmm 

Ãh? O que é isto? Era a campainha, estavam o João e o Diogo lá em baixo. Subam, disse pelo comunicador, com uma voz calcinada. Vinda do fundo do poço. Eles subiram e começaram logo a chagar-lhe a cabeça, que era meia-noite e nem conseguiam falar com ele. Lá contou a história do Iphone e eles só o advertiram que devia andar com um telemóvel mais arcaico, nestes dias. Que simpáticos, pensou ele. Começaram todos a fumar um cigarro e a estrear uma garrafa de whisky, que o Nuno tinha pousada na garrafeira.

– Oh, Nuno, conta-me lá como andam essas coisas com a Ana! – Exclamava o Diogo, com o seu jeito descomplexado e pouco consumido.

– Oh, não me leves a mal, mas nem me apetece falar disso. Tenho a minha cabeça feita num caldo. – Dizia, com o olhar dormente, ainda das lágrimas e o rosto a fechar-se como uma carapaça a guardar o seu bichinho.

– Mas como tens andado? Isto com o carnaval é um filme, andamos a mil e nem te temos dado atenção. – Interrogava e desculpava-se, genuinamente preocupado, o outro amigo – o João.

– Opá, adorava dizer-te que ando bem, mas tu sabes que não é verdade. Foi a cena de quinta, aquele filme de ontem, depois de a Marta me ter enviado uma mensagem e tudo isso tem mexido comigo.

– Que mensagem? – Inquiria, num tom alto, o Diogo com os olhos esbugalhados.

– No sábado, à tarde, ela enviou-me uma mensagem a dizer que eu devia esquecê-la, que já eramos passado, esses filmes. E eu respondi frio, mas depois começou a custar-me e um bocado mais tarde mandei outra a dizer que queria que ela fosse feliz e a pedir desculpa. – O João inclinava a cabeça para trás, incrédulo. O Nuno encolhia os ombros, resignado.

Foda-se. Isso é que não! Eu não vou deixar que te humilhes! – Dizia o Diogo, irritado, mas acima de tudo carregado de compaixão.

– Eu ainda gosto dela, feito tolo! O que é que queres que eu faça? Morro de saudades, só penso naquele sorriso, no doce e meigo daquelas palavras, na forma como a minha pele encaixava na dela. Ando patego, não a consigo imaginar de outra maneira que não perfeita! – Expelia, de enfiada, já com as lágrimas a escorrerem-lhe.

– Eu não te condeno, não te lembras do que eu sofri com a Bárbara? – Replicava o João a pesar no olhar, como que lembrando-se desses tempos difíceis.

– Eu estou lixado, vim cair ao muro das lamentações! – Afirmava, o divertido Diogo, na ânsia de aligeirar o ambiente. Objectivo cumprido, aos poucos foram-se diluindo na garrafa de whisky, o Nuno já tinha ido tomar um duche revigorante e petiscar uma lasanha esquentada.

– Vamos lá beber uma copada ao centro, que ainda vamos muito a tempo! – Dizia o Nuno embebido em whisky e a tentar altivar-se numa fugaz alegria.

– É isso, meu irmão! Umas vezes temos que agir, noutras reagir. IT’S A FUCKING LIFE! – Dizia o Diogo, completamente bêbado, para gáudio dos outros dois. Que grande gargalhada se ouviu!

Dirigiram-se ao centro da cidade e encontraram caras amigas, companheiros de contenda, pernas fatigadas e olhares sobejos – o domingo é um dia farto em cansaços acumulados. Começaram a conversar entre si e o olhar do Nuno movia-se em círculos, rodopiantes, procurando a Ana. Já não falava com ela desde que se tinha despedido, sobre a manhã de hoje. O raio do Iphone faz uma falta danada. Amanhã, sem falta, vou comprar um telemóvel, expulsava em palavras, para dentro de si.

– Relaxa, ela vai aparecer! – Afiançava, com tom gozão, o Diogo. O João, por sua vez, fazia melodia, com uma gargalhada sentida.

O tempo ia passando e eles alternavam entre os passos de dança tímidos e rastejantes, na tenda da praça, e uns bons bocados sentados nas esplanadas ornamentadas em torno. Falavam e divertiam-se com trivialidades, com gozos exacerbados dos que, por infortúnio, se atravessavam na frente deles. Com razoável premência, chegaram-se as cinco da manhã e, por mútuo acordo, rumaram a casa. Houve apenas uma breve paragem, um cachorro delicioso, completamente sugado pelos três, a meio caminho. Agora sim, o sono ia ser fortificante. Amanhã é o grande dia!

Segunda-feira de carnaval, dia de noite mágica, em que as estrelas se vestem de lua e a lua de estrelas, para abrilhantar o que por si é brilhante. É um ano a indagar em ideias e trabalhos esponjosos para, neste dia, saírem, todos compilados, com os fatos mais estapafúrdios, mas mais excelentemente executados. Só vale a diversão, o resto é secundário e pequeno.  Todavia, ainda são quatro da tarde e o Nuno está no shopping, de calças de ganga, sapatilhas claras, camisa de linho branca, meia aberta, e casaco do grupo de carnaval. Pede um telemóvel, absolutamente menos capaz que o Iphone, que, porém, lhe permitirá voltar a estar contactável. Antes de sair pediu uma segunda via, que prevalecesse desde início no novo dispositivo, e aproveitou para questionar se receberia a informação das anteriores mensagens – perdidas em conjunto com o telemóvel. O funcionário alertou que não, contudo poderia solicitar, através do centro de mensagens, que essa informação lhe chegasse num prazo de três horas. O Nuno assentiu que sim com a cabeça, entusiasmado. Mais aliviado, com um problema resolvido, partiu em direcção à casa do Diogo, onde aprimoravam os fatos para a noite. Iam de Dartacão – que original! Num instante, recebeu de aguaça todas as mensagens. Duas da Ana e cinco da Marta. Oh não, o que quererá isto dizer?

Ávido, começou a ler as da Ana. Ela glorificava mais uma viagem para casa em conjunto, dizendo depois que à noite não saía, referindo-se a domingo. Nada de extraordinário; nada que não o deixasse um pouco mais feliz e sorridente. A seguir, com um breve suspiro a anteceder, começou a ler as da Marta. Filho da puta; não vales nada; odeio-te; só me arrependo do tempo que passei contigo; são alguns exemplos do que tratavam as mensagens. Incrível, ela culpava o Nuno pela desavença de sábado. Como é possível? Só pode ter sido ele que a convenceu disto, ela não se pode estar a tornar nesta pessoa. Não pode!  Ficou com as mensagens dela a batucar na cabeça, como um arraial insuportável. Ele ainda a imaginava a cada pedaço de dia, ainda nutria um respeito desmesurado por ela e era assim que ela o tratava. Sem ele ter culpa! Estava desolado, mas optou por não comentar com ninguém, nem tampouco responder-lhe. Seguiu a ajudar nas minúcias dos fatos e a noite chegou. Foi jantar com o grupo de carnaval, para se encontrar com os amigos de seguida. A bebedeira já estava ampla, já lhe ocupava todos os movimentos e liturgicamente prendia, ou enrolava, as palavras.  Chegaram ao centro.

Durante horas, e horas, exultaram a noite mágica. Foram danças em pedras da calçada, em balcões colocados para copos e pessoas felizes, em palcos que já haviam sido de artistas e agora eram de actores de carnaval. O dia já raiava nos olhares perdidos e nas entranhas de um Neptuno, ainda repleto de pessoas. Talvez pela ausência de hábito, durante um dia, de ter telemóvel, esqueceu-se completamente dele. Foi ao bolso, num movimento trapalhão, e lá estavam duas mensagens. Uma era da Ana a perguntar se hoje estariam juntos e a questionar onde ele estava. Porra, foi a única coisa que lhe ocorreu. Mas, esperem, havia outra mensagem.

Marta Crispim – 06h15

Preciso de falar contigo! Diz-me, por favor, onde estás!    

Arregalou os olhos e encolheu os ombros. Que horas são, agora? Que mudança de discurso é esta?  Nesse instante, sentiu um toque, leve e ao mesmo tempo vigoroso, no seu ombro. De lanço virou-se.

– Eu imaginei que estivesses por aqui. – Disse a Marta, com o olhar embriagado e seitado ao do Nuno. Ele engoliu em seco, aquela bola espessa, proveniente das enormes quantidades de álcool ingeridas. Ficou a olhá-la, vestida de serpentina – com traços de pano colorido, a descerem-lhe pelo corpo. Ficou sóbrio, o álcool desceu à mesma velocidade com que tinha sido bebido.

– Desculpa tudo o que te disse, eu pensava que tinha sido ao contrário. Que tu lhe tinhas batido primeiro. – Explicava a Marta, visivelmente envergonhada e, de alguma forma, receosa.

– O que te fez mudar de ideias, então? – Perguntava o Nuno secamente.

– A Filipa estava lá perto e viu. Contou-me agora à noite. – Disse, baixando o olhar para o chão.

– Pois, mas isso não muda nada do que me disseste. Doeu-me tanto, Marta. Vivemos seis anos em conjunto, dividimos tantas coisas. Como ousaste dizer-me tudo aquilo? Acreditar que tinha sido eu? – A Marta mantinha-se a olhar o chão, com lágrimas a flamejarem pelos olhos. – Eu ainda penso tanto em ti, sinto a tua falta por tantas vezes.

Neste momento a Marta levantou o olhar, com um alvo no rosto do Nuno.

– Pois, mas também andas com outra! – Afirmou indignada, chateada e, seria capaz de dizer, magoada.

O Nuno sorriu, dizendo que não com a cabeça. – Eu nem devia dizer-te isto, mas eu nunca tive nada com ela. Por ser um otário, não fui capaz!

A Marta arregalou o olhar, na direcção dele novamente. – Estás a falar a sério?

– Estou, Marta, estou! – Respondeu seco, com os lábios semicerrados, e olhou em volta, para o vazio. Foda-se, não pode ser! Avistou a Ana, a uns cem metros, com o olhar cravado neles e uma expressão completamente desgostosa e apavorada. Será que tudo me acontece?

– Nuno, olha para mim! – Ele olhou, pálido e resignado. – Eu acabei com o Pedro, é a ti que eu amo. Chega de me enganar, isto não foi mais que uma aventura. Vamos recomeçar de onde parámos, é contigo que tudo faz sentido! – Começou, logo de seguida, a galgar o passo que os separava. Tombou o seu corpo sobre o dele, procurando os seus lábios e o Nuno parou-a, segurando-a com uma mão no peito. E sorriu para ela, deixando-a confusa e com o sorriso a fugir-lhe, ainda assim.

– Sabes uma coisa? Isto era o que mais sonhava. – Agora sim, ela explodiu num sorriso radiante. Antes do Nuno prosseguir, também, com um sorriso nos lábios. – Com as tuas atitudes durante estes dias, com esta oferta de regresso, que agora me fizeste, esclareceste tudo. Ficou tudo tão claro! Eu já não vivo no passado, tenho o presente e o futuro para conquistar. E esses já não são contigo. Não são mesmo!

O Nuno saiu disparado, a correr, desviando-se de cada vulto inoportuno que por ali se encontrava, para chegar junto da Ana. Agarrou-a pelo braço e ela libertou-se, virando-se com uma cara chorosa e descrente. Fria.

– Ana, agora eu sei. Agora eu posso. – Beijou-a com a voracidade de um amor que ardia num lume brando, com chamas acesas e fervilhantes. Ela não conseguiu recusar e, retraída, a sua língua percorreu a dele. Desde sexta que procurava aquele momento, aquela ardência, sem nunca encontrar retorno. Pararam-se no tempo com aquele ósculo! No momento em que os lábios se descolaram, o Nuno sorriu com a mesma luz de um sol, com a mesma alegria de um carnaval constante. Afastou-se um passo, segurando-a pela mão, mirou-lhe cada detalhe, idolatrou-lhe cada pedaço de vida em forma de pele, observou o sorriso que agora lhe saía tímido e com réstias de uma surpresa.

– Ana, és o meu PRESENTE CARNAVALESCO! – Sorriram e… com certeza, esta história teve continuação!

 

Foi assim a minha primeira aventura no romance, na novela, na mini-série, ou no que lhe queiram chamar. Para mim, foi absolutamente fantástico, desafiante e feliz. Espero ter passado isso, a cada um de vocês. Obrigado por acompanharem e darem sentido ao que escrevo.

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Presente Carnavalesco (Ep3)

911234567 – 06h03

Olá, Nuno, é a Ana. Como estás? Desculpa estar a mandar-te mensagem, pedi o teu número ao João. Espero que não te importes! Estivemos no nosso brinde há pouco e quando encontrei o João e o Diogo, e eles me contaram o que se passou, não queria acreditar. Nem sabia que já não estavas com a Marta, tenho estado pouco por cá :/  Não te chateies com eles, só quis mesmo dizer-te que no que puder ajudar estou aqui. És um bacano. Beijinho grande.

Com esta não contava ele. Olhou novamente para mensagem e voltou a lê-la, letrinha por letrinha. Assim que acalmou o espanto, entregou-se à fúria. Aqueles palhaços andaram a contar o que se passou, vociferou mais alto que a consciência e, visivelmente, irritado. Tirou num assombro a gravata e camisa e atirou-as para o sofá. Foda-se!

Começou a fumar compulsivamente e a tentar ligar ao João ou Diogo, sem conseguir que eles atendessem. Estava tudo mais à flor da pele, pelo latejo do álcool a escorrer nas veias. Já eram 9h30 da manhã, às 13h30 tinha que estar no escritório e não havia forma de se entabuar do sono. Responder à Ana também não estava nos planos, sentia-se envergonhado e de alguma forma incapaz. Não tinha grande articulação para explicar aquele sentimento, mas era o que proliferava pelas suas entranhas. Na penumbra, de uma imagem de coitadinho, acabou por cair no sono, sentado no sofá, pelas dez da manhã. Acordou e já passava do meio-dia, com um peso ombreado pela cabeça e suportado pelo coração, que o fazia sentir-se um caco, um pedaço desajustado desta esfera que roda dia após dia.

– Boa tarde, Sr. Baptista. Posso entrar? – Questionava, já com a camisa elegantemente posta para dentro das calças de sarja azuis. Com o cabelo desordeiramente penteado e o olhar lavado.

– Claro, Nuno. Sente-se, por favor. – Respondia o responsável da sua vida profissional, completamente alheio ao tumulto do campo pessoal. – O que tenho para falar consigo é rápido, só lhe pedi para vir a esta hora, porque também tenho que ir ao meu carnaval. Estou velhote, mas ainda vivo isto. – Disse sorridente, contagiando o Nuno numa gargalhada.

– Claro, Sr. Baptista. Assim é que tem que ser, só temos uma vida. – Esta frase fazia-lhe um eco tremendo, pelo canal da audição. Disse o que sempre diria, o que descrevia quem era, mas desta vez soou-lhe estranho. Pensou em tudo o que perdeu.

– Bem, indo ao que realmente interessa. O que quero falar consigo é sobre expectativas, Nuno. – Ao ouvir esta frase saltou, na consciência, da cadeira e fitou o Sr. Baptista com o olhar. – As minhas expectativas em relação a si foram aumentando, sem nunca lhe dar a entender isso, mas agora chegou o momento. Eu recebi uma proposta enorme do Brasil, de uns companheiros de batalhas antigas, para lhes fazer a gestão financeira de uma empresa de construção. Eles saíram de cá há uns 5 ou 6 anos, estão bem por lá, e nem por isso se esqueceram de mim. Ligaram-me e querem que vá para lá, a tempo inteiro.

– Bem, Sr. Baptista, deve estar felicíssimo! Muitos parabéns. – Estava incrédulo e genuinamente satisfeito pelo seu fiel chefe.

– Sinto-me reconhecido e incapaz de recusar esta oferta. – Afirmava com uma cara pensativa. – Mas é aí mesmo que você entra, Nuno. O meu problema, que acredito acabará por não o ser, é o facto de eu ter a minha vida investida neste gabinetezinho, onde tenho sido tão feliz. Não me sinto capaz de me livrar dele, mesmo sabendo que só passarei cá dois meses por ano. Assim, o que gostava de lhe propor era que se tornasse a minha pessoa aqui dentro, que levasse avante, como sempre o fez, o nosso trabalho. Antes que fale da Andreia, posso garantir-lhe que já falei com ela e ela não se opôs em nada a trabalhar sobre o seu leme. Pelo contrário, aliás, ela reconhece-lhe a qualidade.

O Nuno ficou completamente liquefeito, esvaziou-se como uma poça de água pelo chão. Não era só a proposta do Sr. Baptista, era também o atestar da sua qualidade pela Andreia, que já se encontrava a trabalhar lá muito antes de ele chegar. Tudo o que se tinha desmoronado no amor subia agora em flecha, como um novo muro de Berlim, em perspectivas de futuro. Ele não se conteve e aclamou felicidade com um enorme aperto-de-mão de compromisso, de agradecimento, de felicidade. Porém, logo caiu numa emboscada: o pensamento levou-o à Marta, que em tempos exaltaria com esta notícia. Porra, do que me havia de lembrar. Fintou essa saudade e mágoa, com um telefonema aos pais. Não existem seres no mundo mais capazes de nos fazer tocar o pináculo, os pais do Nuno não eram excepção. Algum tempo depois já estava com uma roupa mais prática, na sede do grupo de carnaval. Sem explicar o porquê, pagou uma rodada. Todos brindaram ao Nuno, sem saber que as garrafas tlintavam o futuro. Já tinha falado com o João e o Diogo, as coisas não pareciam tão más agora. Afinal, o dia corria-lhe bem.

Nuno Martins – 17h35

Olá, Ana. Desculpa só responder agora, já estava a dormir quando enviaste a mensagem e tive uma reunião hoje, não consegui antes. Claro que não me importo, aproveito é para te agradecer a simpatia e disponibilidade. Que a noite de hoje seja melhor que a de ontem 🙂 Beijinhos

Caramba, ele estava confiante e isso notava-se na mensagem. Assim continuou pela sede, com o trabalho quase finalizado, ia dando umas pinceladas de cola e uns goles de cerveja. As conversas escorriam por aquela sala vestida de animação, ninguém vivia problemas ali. Sítio mais perfeito não podia existir! Foi novamente a casa vestir o fato do ano anterior, para regressar à sede e jantar por lá mesmo. Todos juntos a assar umas fêveras, a beber umas minis, a brincar com os mais recentemente chegados e a serem felizes. Era só isso que ele agora desejava ser: feliz.

As estrelas eram o candeeiro perfeito daquele luau carnavalesco, as conversas fluíam com a naturalidade de quem está a viver os dias mais desejados do ano. O álcool, um pouquinho exagerado, entrava pelo corpo do Nuno de forma diferente. O que ontem lhe dava de áspero, hoje oferecia-lhe de galante. Parecia estar a consumir garrafas de alegria em estado líquido. Estava contagiado e a contagiar. Isto prometia e os outros amigos também já lhe ligavam, com mais incidência no Diogo. Ou não fosse um folião o ano todo. Passa cá, disse-lhe o Nuno e ele foi. Era só mais um condimento para aquele cozinhado de noite incrível.

Algum tempo depois estavam a descer para o fulcro da festa, cantando pelas ruas inebriadas de pessoas, saltando em conjunto e impelindo os outros a entrarem nos ritmos carnavalescos. Olha a cabeleira do Zézé/ será que ele é/ será que ele é, era um dos muito clássicos que aqueles trinta homens iam cantando, ofegantes de folia e com sopro de euforia. Na descida para o centro da cidade, junto ao mercado municipal apanharam o João e o Carlitos, que vinham da tenda que ombreava concertos e votações, do outro lado da rua. O Carlitos já dava mostras que hoje não seria muito melhor que ontem, abraçou talvez metade, daqueles trinta eclécticos carnavalescos, como se os conhecesse desde sempre. O João também já vinha aceso.

Mal se pararam pela praça das galinhas, com uma tenda a soltar um house music, bem misturado a sons brasileiros e com alguns toques de música da terra, com pevides, o Nuno viu a Ana. Dirigiu-se logo a ela e falaram durante largos minutos, ora um ao ouvido ora outro ao ouvido. Contrariavam, assim, o eco forte das colunas e aproximavam as dermes até ao toque. De repente o Nuno voltou a juntar-se ao grupo e na fila da frente saltaram como doidos, elevavam os casacos e chapéus, deixavam cair os óculos e cigarros, mas a estampa do sorriso era o que mais se destacava. A Ana já não fugia muito daquela zona, com as amigas – trocavam, a miúde, olhares e espontâneos passos de dança. Enquanto o Diogo se esfumava na confusão, com a borboleta que já se tinha metamorfoseado em Lara Croft. Não muda aquele gajo, diziam divertidos. O Nuno e o João, claro.

Já o dia tinha subido sob a cidade, os copos plásticos estatelados e a rugir as passadas dos transeuntes entusiásticos, os primeiros varredores a sofreram a intrepidez dos resistentes noctívagos, as cantorias a assobiarem pelas janelas dos dorminhocos da urbe. E a pastelaria cheia. Não há prolongamento nocturno que não aliene a fome. Na pastelaria o Diogo estava de regresso e o João continuava na companhia do Nuno e de uns 5 ou 6 do grupo. Entrou a Ana e o olhar do Nuno franziu-se, mesmo sabendo que ela vinha em resposta a uma mensagem sua. Estou na pastelaria e adorava fazer-te companhia a casa, teclou ele, com a certeza que por sms é mais fácil vestir a coragem. Assim aconteceu, ele foi levá-la, para regozijo dos amigos. Todavia, a viagem não seria longa, pois tinha que estar na sede para levar o carro até ao local do desfile.  Foi e veio num espaço de hora. Já sem o João e o Diogo, alguns mais ávidos provocaram-no.

– Já pintou, companheiro. – Dizia um dos elementos do grupo, a piscar o olho desafiante.

– Sou um cavalheiro, amigo, isso fica para mim. – Respondia com um sorriso resplandecente, que há algum tempo não se via nele.

Com isto iam-se esfumarando as horas e o carro alegórico estava no destino, na partida de amanhã. O almoço ainda escorria com vinho verde, todos juntos. No Nuno e mais alguns já os olhos ganhavam vida própria e fechavam-se. Estava aí a primeira loucura de Carnaval, faziam-se 28 horas da alvorava.

Regressado a casa, a rotina do costume: roupa para o sofá; peso do corpo para ali mesmo; e o Iphone a tocar. Amanhã temos o Presente Carnavalesco (Ep4). Até já.

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Presente Carnavalesco (Ep1)

Lá estava ele, sentado na sua secretária comprida, envolvido por algumas folhas brancas, canetas pousadas, o computador aberto no excel e os pensamentos bem longe. Levantou-se, com o café no copinho plástico e foi para a janela olhar a bela cidade de Ovar. Lá em baixo já se via uma agitação, pouco normal destes dias cinzentos, mas muito comum nesta época que hoje se inicia. É quinta-feira e daqui a algumas horas o Quim Barreiros vai abrir as hostes, no coreto improvisado da Vereda, que fica mais tropical que nunca.

Trabalha num pequeno gabinete de contabilidade, faz no mês que a seguir irrompe 2 anos. Tem sido feliz por ali, com um escritório só para ele. Pequenino, é verdade, mas com uma janela que lhe ornamenta a visão com o rio Cáster, com os patos e o jardim dos velhinhos e novos. Tem sido feliz, só não se concentra nestes últimos dois meses. Passa horas e horas na varanda a fumar, a choramingar nas suas fugidas ao facebook e a pensar na Marta. Namoraram 6 anos e de repente ela acabou com ele, para apenas um mês depois disso se jogar nos braços do Pedro. Não dá para perceber, ele é mais novo, só se interessa por umas drogas leves e umas copadas valentes. E ele que sempre se esfalfou, que lhe deu tudo o que tinha para apoiá-la nesta batalha horrível do desemprego, estava agora arremessado ao vento. E ele vinha em nortadas.

– Bom dia, Nuno. Está bom? – Tinha acabado de chegar o patrão, o Sr. Baptista.

– Ah, desculpe, nem o tinha visto. Tudo óptimo e consigo? – Respondia numa viragem rápida do corpo para a entrada, meio aturdido.

– Também. Diga-me uma coisa, já tem o relatório da Soveco pronto?

– Hum, a verdade é que ainda não. – Exclamava o Nuno, não escondendo o constrangimento. – Só lhe conseguirei entregar hoje, da parte da tarde.

– Não sei o que se passa consigo, rapaz. Espero que esteja tudo bem, por muito que desconfie que não seja assim. – Retorquia o patrão, subindo ligeiramente o lábio do lado esquerdo e semicerrando o olhar. – Sabe que está à-vontade para falar comigo, seja de trabalho ou da vida, Nuno. Já convivemos há dois anos, não são dois dias.

– Sr. Baptista, agradeço imenso a simpatia, mas está tudo bem. Hoje, sem falta, entrego-lhe o relatório da Soveco. – Assegurava, com um olhar tenso e na procura de eliminar ali a conversa.

– Estarei à espera, então, Nuno.

Assim que a porta bateu, soltou um foda-se e foi para a varanda fumar mais um cigarro, agora a correr. Voltou ávido para o computador, não podia falhar com o Sr. Baptista. Era chefe, mas realmente vinha sendo mais que isso, a disponibilidade dele era incomum em tantos patrões que por aí se vêem. E conseguiu, às 15h lá estava o relatório e o cumprimento de congratulação.

– Você é bom nisto, Nuno. – Dizia o patrão, escondido atrás de um enorme sorriso e encostado para trás na sua poltrona giratória. – Tire lá o resto do dia para si, que daqui a pouco é Carnaval. Amanhã venha só da parte da tarde, porque preciso mesmo de si, ok?

– Combinado e muito obrigado, Sr. Baptista. – Dizia com genuíno agradecimento o Nuno, não escondendo o alegramento de já se ir aprontar para a noite de hoje.

Desceu o elevador a sorrir e a teclar sms’s para acordar a noite que aí vinha. Num instante, combinou jantar pela rústica e aprazível adega social, com cinco amigos. Agora era escolher o disfarce, a roupa colorida, ou o melhor sorriso. Não era dia para pensar na Marta, isso ele sabia. Eram 15h e morava logo ali no Jardim dos Campos, nesse meio caminho viu a Praça das Galinhas, com o seu jeito redondo, com os bares em bica e uma tenda a levantar-se, e não resistiu a ir beber uma cerveja e perceber a folia a crescer. Encostado ao balcão, ligou para um dos do grupo carnavalesco, como esperava, tinha que ir dar uns arranjos agora se queria a noite livre. Assim fez.

Mal chegou, lá estavam novos e velhos, com fatos de macaco, jalecas desusadas e calças rasgadas, embalados pelo barulho de berbequins e sopros de sprays, ou desenrolares de trinchas, a pintar os últimos detalhes dos carros. Assistiam-se também a alguns apoios, com os casacos dos respectivos grupos, a emborcar minis com afinco e a soltar bacoradas saudáveis. Esteve nisto até às 18h, por vezes a labutar por vezes a salutar.  Depois seguiu para casa num voo e meteu-se no banho. O jantar estava a chegar e amanhã saberemos como foi a noite, com o “Presente Carnavalesco (Ep 2)”. Até já.

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