Arder nas chamas

Ele viu-a ao longe, numa vertigem de desejo. Encarou a forma como o vestido lhe escorria pelo corpo, qual pluma de anjo.

– Vais ser minha – vociferou, para dentro de si, num tom monocórdico e aligeirado por um sorriso de apetência.

– Desculpe, como disse?

– Perdoe-me, estava aqui a falar com os meus botões. Queira, por favor, continuar a aproveitar o baile, que a música está encantadora.

Assim, desta forma disléxica, procurava o caminho que o levasse ao vespertino encontro de olhares. O patamar superior, ladeado de um corrimão castanho-escuro, suportado por barras de um ouro aparentemente maciço, não lhe dava garantias do toque orbital, daquela adorável donzela. O vestido era de um branco pérola, com uns trabalhos de rendilhado que lhe faziam fugir o peito, tapado pelo meio e que se desvanecia pelo correr das pernas, num folhe só equiparável à mais bela flor da primavera. Como aquela rosa, ligeiramente rosa, que lhe suportava o cabelo num repuxo, que tão bem lhe definia os traços delgados do rosto sorridente. Restava apenas o engravatado e esbelto, com porte atlético, que se assomava dela para pancadinhas ao ouvido e afagos de chico-espertice.

– Dá-me o prazer da sua companhia, por dois segundos?

– Com certeza, encantado com o convite.

Foi desta forma que jogou o seu segurança, de fina estampa, ao encalce do tal engravatado que lhe dividia as atenções. Viu os partir, com o rumo da biblioteca adjacente.

– Desculpe, minha cara, não pude deixar de reparar na beleza do seu traje. Permita-me apenas elogiar-lhe a congruência perfeita de tão belo recorte, com tão belo rosto. – exclamava, em direcção ao viridário que lhe havia invadido o baile, com um sorriso impecavelmente branco e esclarecedor.

– Não posso deixar de lhe agradecer o, tão simpático, elogio, bem como felicitá-lo pela beleza do baile. – bradava ela, por entre um sorriso de piano a tocar baladas de amor.

– Não me felicite, todo o mérito recairá nos meus dedicados servos, assim como na beleza dos convidados, que me colorem a sala. Tal como você, menina?!

– Não me chame de menina, as palpitações não me apagam os anos que se assomam da minha pele – respondeu sorridente. – Chame-me de Sra. Abraão, esposa do Dr. Abraão. Que o seu segurança acabou de alçar, numa abertura de caminho. – O olhar dele aclarava-se, como um trovão, incrédulo com a observação. – Queira, por favor, deixar-se destes joguinhos de sedução, que a minha destreza permite-me saber que você não conhece o meu nobre esposo.

– Deveria conhecer? – retorquiu ele, já absorto de uma fúria galante.

– Com certeza que não, ou correria o risco de não aqui estar.

– Desculpe? Temo não ter compreendido.

Numa estirada rápida, sacou de um revolver do interior da sua pequena pochete e sem piedade atingiu-lhe o fulcro. A plateia, de até ali dançantes, entrou no alvoroço de procurar a origem de tamanho disparo, ruído. Apenas a viu sorrir, enquanto o corpo se esvaziava, numa poça de sangue ao centro da pista.

– Todo esse charme deveria ter utilizado para evitar o meu marido da prisão, por um crime seu. Agora, tente seduzir o diabo, ou arderá nas chamas de onde nunca devia ter saído.

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