Com esta chuva a bater nos estores da minha hora de almoço, tal-qual um sonido de uma música de Sixto Rodriguez, findo a pensar na reportagem de ontem.
Tenho família na Venezuela, a minha mãe e um dos meus tios nasceram lá, os dois tios que lá se encontram para lá partiram cedo, quando os meus avós decidiram que lá estaria a aura feliz deles. Um deles, o avô, já partiu. A minha avó está cá faz muito tempo, sempre recordando o sol dourado de Caracas, que escondia as milícias que na década de setenta e oitenta cresceram. A minha mãe, muitas vezes, contou-me que chegaram a cortar pulsos para roubar relógios. É uma imagem estratosférica, muito além do quotidiano que cá imaginamos. Mas, ontem, com a violência esclarecedora da reportagem da SIC, pude perceber que não será exagero.
O Maduro é pior do que o Chávez. Ambos são ditadores, mas um, ao menos, tinha um rumo. Este não tem, é a ponta fraca de uma ditadura que já vinha caindo. Vence nos quase cinco milhões de votos electrónicos, obviamente falseados. Enquanto por cá, neste lado do mundo, o dito moderno, vive-se na sombra de um FMI, que foi o primeiro passo para o nascimento daquele regime socialista, tão castrador como um fascista. Aliás, quando se fala de regimes, de ditaduras, chega-me a fazer confusão a distinção do fascismo para o socialismo ou comunismo. É como definir um assassino como passional ou serial-killer. As motivações são distintas, é certo, mas os finais, tragicamente, são sempre iguais.
A chuva continua a bater, incessante. Incomoda-me que em Junho chova tanto, é suficiente para me arreliar. Mas depois, caramba, penso naquela jovem desempregada que gritava que é preciso acabar com o regime, o jovem baleado nos testículos que esperam que recupere para o eliminarem, as manifestações desmontadas a tiro por milícias e fico danado comigo. Tenho lá família. Sem esperanças de saída, sem esperanças de futuro, sem esperanças de nada. O que fariam? Regressariam, deixariam tudo o que construíram e amealharam para trás, para vir para um país em crise?
E é nisso que a Europa dos ricos, a do FMI, não pensa ao fechar os olhos ao que por lá se passa, a fim de receber os barris de crude mais baratos. Deixem o circo continuar e, com tal, começam a chegar emigrantes de uma vida, com uma mão à frente e outra atrás, para caírem em países já sufocados nas medidas de austeridade. O mundo é grande, é certo, mas bem mais pequeno do que estas políticas estão a ser capazes de alcançar. O El Dourado do Brasil também já se está a esgotar, o de Angola não se fala, Moçambique voltou às guerras, a França está a caminhar para a Extrema-Direita e a Grécia é o que se vê.
Não prestem atenção, que a chuva continua a cair. E, um dia, será em dilúvio.