Os sem-abrigo são perigosos?

Tudo alterca o orçamento de estado, as novidades da e para a Grécia, contudo ninguém se recorda do frio que faz. Das nuvens de gelo que descem, do calor que foge. Ninguém fala deste sol mentiroso, que alegra o dia mas não aquece o tempo.

Hoje, esta noite, certamente pessoas dormiram ao relento. Agasalhadas em caixas de cartão, embrulhadas em jornais de tempos passados, de notícias tristemente antigas. Pessoas com a barba por desfazer, com os dentes a calcinarem-se, com os dedos a ficarem laminados do frigido que os regela, com um sonho que morreu há muito. Há demasiado. São homens e mulheres, que normalmente já tiveram vida, quem sabe família. A droga, a maldita droga, afastou muitos disso, trouxe-os a reboque de uma dependência parva que alimenta guerrilhas sul-americanas e afegãs. Ninguém tem culpa de eles se terem agarrado, de se terem levado em bandeja aos poços de tráfico, todavia não deixa de me estorcer. Desacertos todos cometemos, pagá-los para a vida ou com a vida é que me liquefeita. Faz-me umas pontadas no coração, e pulo. É triste.

Verdade, estou farto de falar e não é por isso que me movimento noite adentro, pelo escuro de cidades grandes de mais, a levar-lhes um cobertor, um pão, ou um abraço. Um simples passou-bem, quem sabe. Não me sinto bem com isso, pois penso nisso. O Pessoa, aquele que para nós é eterno, já falava da felicidade da inconsciência, da alegria de desconhecer. Eu percebo-o, todos os percebem – inclusive os inconscientes. Quem sabe se eu não sou um inconsciente e já devesse andar esquinas afora a entregar carinho, e calor, e comida, e abnegação, a essas pessoas. Não temos como saber se eles e elas merecem, apenas podemos alcançar que, aquilo, ninguém merece. Ninguém devia merecer.

Não, não são assaltantes. Esses vestem fatos, ou, por outro lado, jorram armas em armazéns alugados e até compram carros tolos de velocidade. Os que roubam, que fazem perigo, não são estes que dormem ao frio. São outros, estes têm fome e necessidade, mas a arma perigosa está na ganância, na loucura desmedida pelo dinheiro. Isso é perigoso, faz borrar de medo.

Estes não, quem sabe uma família antiga, que ainda pertence à árvore da genealogia, lhes pudesse dar o que eles precisam e eles dariam um novo alento ao mundo. Soprariam um vento gélido, em dia de sol, como hoje, para nos acautelar para tantas coisas. Sabem, muitos deles não foi droga. Há os que o amor desiludiu, os que a família partiu, os que o negócio pequeno ruiu. Em cada um deles há uma coisa diferente, que não sabemos sem questionar. Se até os ladrões têm história, se até os criminosos se desculpam com as infâncias difíceis, porque que ninguém procura estas histórias?

No meu livro, o REALIDADES, que está ao fundo deste texto o link para adquirirem, tem um texto para falar de um deles. É um romantizar, sem o brilhantismo do Augusto Cury, em A Saga de um Pensador, mas que serve para mostrar que eu já pensava neles antes. Que são pessoas que não esqueço, porque me gela o coração com a mesma força que lhes prende as pernas. Gostava, mesmo, de saber a história deles.

Que acabe o estigma, eles não são maus, não são os ladrões. Podem, talvez, roubar uma outra peça de fruta, porém essas fomes não se condenam, chamam-se à atenção, tentam levar-se para outros rumos, mas não se condenam. Não se devem condenar. Os que roubam por mais haveres, por tecnologias de ponta, por sapatilhas de marca, por arrojes pornográficos de dinheiro, esses, sim, são perigosos. Esses, sim, devíamos ter asco de apertar a mão, de perguntar se passou bem, se a vida corre da feição.

Os sem-abrigo, não são perigosos, são o parente pobre de uma sociedade desentendida. Sociedade em que se sobrenomeia os ladrões e se roga dinheiro aos que desvivem de fome.

Os sem-abrigo são o povo, opiados pela desgraça; os tratantes são a governação, inebriados pela luxúria.

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