Ui, cortei-me a desfazer barba!

Apesar da associação natural à dor, traz-me tão boas lembranças, este corte. Miúdo, chavalo mesmo, com uma gilete em riste virada a uma cara que de barba tinha apenas os resquícios de pêlo – naquela altura pareciam uma barba de meses.

Ao sábado à tarde ou a um dia da semana à noite, quando todos se haviam deitado, lá ia eu com a gilete do meu pai, laminar uma carinha sem nada, apenas com uma convicção de adulto, de crescido.

Que feio que fica esta barba por desfazer – pensava eu, para mim.

A passagem da lâmina no sentido oposto aos pêlos era para mim uma ciência ainda desconhecida. Invariavelmente chegava um pequeno rasgo na pele, um corte.

– O que é isso, pá? Tens a cara toda cortada!

Com uma voz rouca, apenas no meu pensamento, respondia sem grandes rodeios e com grande convicção, orgulho:

– Cortei-me a desfazer a barba.

Só se pode cortar a desfazer a barba quem desfaz barba, quem é adulto. Aos 12/13 anos barba é sinónimo de adulto, do acréscimo de responsabilidades viris, masculinas. Aqueles cortes eram a minha prova, para o mundo, que já pertencia a esse leque de homens, desculpem, de Homens, com ‘H’ maiúsculo. Deixava de lado o menino e esperava pelos primeiros: então Sr. Ricardo? Tudo bem Sr. Ricardo?

Que crescido que eu era. Hoje, anos volvidos, ando com barba por desfazer: metade por uma consciência certa ou errada de estilo; metade por uma preguiça de gastar dez minutos do meu dia de frente a um espelho, de lâmina ou máquina em punho, a cortar em mim algo porque tanto ambicionei um dia.

Boas lembranças!

Pois é amigo, o teu corte junto à suíça fez-me escrever um texto. Deixo só a nota para não te envaideceres: ele não se cortou numa viagem que fez à Suíça, ele cortou-se mesmo naquela zona lateral da face em que termina o cabelo e se inicia a barba.