A luz do escuro

A luz do escuro

O mundo acontece na palma das nossas mãos. Desta forma padronizada que estamos acostumados a ouvir.

Quando penso em escrever, penso que não quero ser igual aos outros, mas quando penso que não quero ser igual aos outros, já me estou a tornar a mesmíssima coisa. É assim a vida complexa dos nossos pensamentos.

São bonitas as frases que circulam pelo facebook, que nos arrepiam, como se houvessem sido escritas para nós, mas não são, nunca serão, suficientes para nos fazer sair do sofá e abandonar a zona de conforto desconfortável.

Pecamos por não compreendermos bem o que desejamos, por derivarmos em caminhos que nem sempre são os nossos, atrás de algo que nos faça felizes momentaneamente.

Mas a felicidade, como o trabalho, a realização, ou qualquer outra coisa gratificante, é trabalhosa, custosa. E eu, na minha ingénua ideia de viver, na qual já errei, uma e outra vez, digo-vos: se me dessem o destino sem luta, jamais o quereria para mim.

Gosto de bater com a cabeça de vez em quando, gosto que me digam, olhos nos olhos: acorda, Ral. São as pessoas que me marcam.

Gosto desses choques, da necessidade de mudar de direcção e não saber como fazê-lo, de ter que arranjar algo de novo para mim e metamorfosear-me para continuar a ser eu mesmo. Apaixono-me pela luta, quando pressinto para onde anseio ir.

Vivo entre barreiras, a aproveitar o espaço ermo delas. Há luz até no escuro. E eu sou claridade, agora que sei para onde quero ir.

Entrevista de trabalho

As portas abriram-se e ele entrou. Com vagareza, com os passos lentos a observar tudo o que fazia ornamento, a perceber as expressões dos corrupios, mas sempre concentrado. Centrado num futuro que se podia desenhar ali.

As entrevistas de trabalho alçam sempre um nervoso miudinho, um corriqueiro palmilhar de formigueiros pelo correr das veias. O estômago aperta-se e ao mesmo tempo agiganta-se, parece que o nosso interior não vai conseguir segurar toda aquela exacerbação dentro de si. Pensa-se sempre que aquilo pode mudar a nossa vida, que lhe dará um rumo diferente do que tínhamos tido até ali. Se melhor se pior, o tempo dirá, contudo naquela hora só tem sentido pensar na valentia de ali estarmos, nas alegrias que aquelas paredes ainda tão desconhecidas podem trazer e acolher.

Os sítios parecem tão aconchegantes e tão indiferentes. Não sentimos ali identificação e ao mesmo tempo acreditamos que podemos fazer daquilo os nossos dias, as nossas ombreiras. Finalmente vem uma voz feminina, com mel, que nos chama pelo nome e nos traz a primeira sensação de pessoalização. Já não somos tão estranhos ao espaço. Entramos numa sala, de reuniões ou com secretária, e ali ficamos, de frente para engravatados ou arranjadas, que podem definir o nosso futuro com rascunhos de caneta, em folhas brancas. Aquilo mexe connosco e dispara as pulsações para voltagens de motores ferozes, mas tentamos articular as frases com um certo charme e um conhecimento que convém seja sempre patente. As primeiras perguntas agarram-nos por respostas secas e concisas, conquanto as notas vão-se acelerando do outro lado da mesa – e não nos deixam esquecer onde estamos. Contudo, o tempo vai-se diluindo e sentimos aquele colete a cair-nos pelo corpo e a conversa a desenrolar-se com mais leveza, ou pelo menos mais desamarrada. Já nos custa mais é falar sem levantar o véu e nos deixar ali despidos, no meio daquela sala que acreditamos pode fazer parte dos nossos dias.

Saímos porta fora e acendemos o cigarro, respiramos fundo num suspiro, ou ligamos a quem nos é próximo, ou vamos para o carro para fazer tudo isso de assentada. E aí é esperar, aguardar com sôfrega ânsia que o telefone toque ou e-mail apite. A entrevista está feita.

PS – Não se esqueçam, caso tenham curiosidade de saber mais detalhes sobre o livro que lançarei, lá para meados de Novembro, basta clicarem neste destacado: Livro – Ricardo Alves Lopes (Ral)